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Livros de Tolstói , Joyce e Proust ganham novas traduções e mostram os dilemas entre ser fiel ou não ao original

O leitor que nos próximos anos vier a ler as novas edições de “Guerra e Paz”, “Ulysses” e “Em Busca do Tempo Perdido” encontrará, renovados, três monumentos da literatura mundial.
Provavelmente, contudo, pouco ou nada saberá da etapa anterior que tornou possível a leitura: o trabalho dos tradutores que verteram as obras para o português.

“Guerra e Paz”, do russo Liev Tolstói (1828-1910), será lançado pela Cosac Naify no segundo semestre deste ano.
Já “Ulysses”, do irlandês James Joyce (1882-1941), e o primeiro livro da série “Em Busca do Tempo Perdido”, do francês Marcel Proust (1871-1922), saem pela Companhia das Letras em 2012.
O primeiro forma um imenso painel sobre a Rússia entre 1805 e 1820, no período marcado pelas invasões napoleônicas, enquanto os dois últimos são os dois romances mais influentes do século 20.
São livros de peso, e não apenas na qualidade. “Em Busca do Tempo Perdido” é composto por sete volumes.
O “Ulysses” terá perto de 900 páginas e edições antigas de “Guerra e Paz” passam das 1.200.
Diante de tamanha relevância cultural, é como “minha pequenininha tradução do principal livro do século 20” que Caetano Galindo, 37, professor da Universidade Federal do Paraná, refere-se a sua versão de Joyce.
A batalha de Galindo começou em 2002, quando iniciou a tradução de “Ulysses”.
Quatro anos depois a missão estava concluída, mas outra tradução do livro, lançada em 2005, adiou seus planos de publicação.
Voltou ao trabalho no ano passado, mas julga que a espera foi um ganho. “Amadureci, aprendi mais sobre o livro. Ganhei repertório e a presença do Britto.”
Britto é o também tradutor Paulo Henriques Britto, que tem ajudado na revisão do livro e assumiu o posto de “coordenador editorial”.
“Ulysses” deve sair em janeiro. O livro tem 18 episódios e Galindo está revisando agora o de número 16.
Para facilitar a cooperação à distância (Galindo mora em Curitiba e Britto no Rio), eles mantêm um padrão.
Depois de reler cada parte, Galindo envia o material para Britto, que então sugere novas ideias. Depois eles conversam por Skype para esclarecer as dúvidas.
Ambos garantem que nunca houve grandes discordâncias, o que é ainda mais impressionante quando se trata de um dos livros mais complexos da literatura.
Publicado em 1922, “Ulysses” tornou-se célebre por empregar inúmeras técnicas literárias, como o monólogo interior dos personagens, que levaram a rupturas na sintaxe e na pontuação.
“É muito difícil, quase que uma pedra no caminho a cada página”, diz Britto.

Não ousar é ser infiel ao livro, diz Galindo

Já Rubens Figueiredo, que prepara versão de “Guerra e Paz”, critica tentativa de reduzir impacto de Tolstói

Tradução do romance russo, que sai pela Cosac Naify no segundo semestre, levou três anos para ser concluída

DE SÃO PAULO

Das inúmeras armadilhas que “Ulysses” impõe a qualquer tradutor, Caetano Galindo avalia que a maior delas está no episódio “Gado de Sol”. Joyce criou ali uma sucessão de pastiches da língua inglesa de várias épocas, do final do primeiro milênio ao século 19.
Para recriar o estilo, Galindo inspirou-se no cancioneiro medieval português.
Em outros episódios também tomou certas liberdades, como incluir alusões à literatura brasileira (Tomás Antônio Gonzaga, Augusto dos Anjos”).
“A maior fidelidade que eu posso esperar alcançar em relação ao “Ulysses” é que o meu livro sirva para fazer as mesmas coisas que o original fazia. Não tomar liberdades seria o caminho mais curto para não ser fiel ao livro.”
Sobretudo, empenhou-se em manter, mesmo que por meios diferentes dos de Joyce, o brilho estético e, por que não, o humor da obra. “É provavelmente o livro mais prazeroso que eu conheço.”

PAINEL RUSSO

Não foram menores as dificuldades do romancista e tradutor Rubens Figueiredo, 55, quando decidiu debruçar-se sobre “Guerra e Paz”.
Figueiredo não é estreante em Tolstói (também para a Cosac Naify já havia traduzido outros títulos do autor, como “Anna Kariênina” e “Ressurreição”), mas a empreitada impunha outros desafios.
Além do tamanho descomunal, o romance enfoca um período de grande turbulência na Rússia e tem centenas personagens, fictícios e reais.
O maior perigo, contudo, é mais bem sutil, explica ele. Trata-se de que chama de “tradução colonizadora”, que busca enquadrar Tolstói na condição de “clássico” e apaziguar o efeito do livro.
“O grande perigo consiste em reduzirmos os livros à perspectiva que adotamos hoje. Esse tratamento denota antes de tudo -e de modo flagrante no caso de Tolstói- uma tentativa de reduzir o alcance crítico e questionador dos escritos”, afirma.
Fora isso, há as dificuldades da língua russa (e do estilo de Tolstói) que o tradutor conhece bem, como as inversões sintáticas e a longa extensão dos períodos.
Figueiredo também é autor de contos e romances (já ganhou dois Jabutis). Por estar dos dois lados do campo de batalha literário, sabe bem que, em certo grau, sempre se perde algo na tradução, mesmo nas melhores.
“Por outro lado”, completa ele, “se ganha algo muito mais importante: a atualização de uma voz e de um ângulo de visão que não poderiam chegar a nós de nenhuma fonte contemporânea”.
Entre perdas e ganhos, foram três anos de trabalho dedicados à “Guerra e Paz”. “É engraçado”, conta, “mas no fim, uma das coisas que senti foi que gostaria de começar de novo no dia seguinte”.
(MARCO RODRIGO ALMEIDA)

Livro de Proust pode ganhar novo título brasileiro

DE SÃO PAULO

Enquanto Rubens Figueiredo pode desfrutar a sensação de dever cumprido e Caetano Galindo está em vias de concluir seu trabalho, o jornalista Mario Sergio Conti apenas começa sua epopeia.
Conti, 56, vai traduzir nos próximos anos os sete volumes que compõem a obra “Em Busca do Tempo Perdido”, de Marcel Proust.
Os livros, assim como o “Ulysses” de Galindo, sairão pelo selo Penguin-Companhia das Letras e contarão com notas explicativas e textos introdutórios.
O primeiro volume deve sair no segundo semestre do ano que vem.
“A ideia é fazer uma versão barata, com introdução didática, atualizada para o público do século 21”, explica.
Conti vem traduzindo aos poucos, nas folgas do horário de trabalho como editor da revista “Piauí”.
Ele descobriu Proust aos 18 anos e desde então vem lendo o autor também em francês e inglês. Além da intimidade com a obra, Conti tem a seu favor centenas de livros escritos sobre o autor francês nas últimas décadas, que permitem um trabalho mais acurado.
“A primeira tradução brasileira do livro, feita por Mário Quintana na década de 40, foi um ato heroico. Quase não havia bibliografia sobre Proust na época”, diz.
Os 60 e poucos anos que separam as traduções dão margem a novas abordagens -inclusive no título da obra.
Ele defende que “Em Busca do Tempo Perdido” não é a solução mais apropriada para o original “À la Recherche du Temps Perdu”.
“A palavra “recherche” pode ser tanto “busca” como “procura”. Mas acho que “à la recherche” se aproxima mais de “à procura”. “Busca”, no sentido de “descoberta”, está mais no verbo “quêter”. Talvez eu faça essa mudança, ainda não decidi.”
Uma frase do início do primeiro livro da série, “No Caminho de Swann”, também recebe nova interpretação.
O tradutor conta que “Longtemps, je me suis couché de bonne heure” foi traduzido por Quintana como “Durante muito tempo, costumava deitar-me cedo”.
O mais correto, explica, seria “Durante muito tempo, deitei-me cedo”.
“A escolha adoça e atenua a aspereza da frase original de Proust. Por isso novas traduções são sempre úteis: para atualizar a visão que temos sobre as obras.” (MRA)

Fonte: http://sergyovitro.blogspot.com/2011/04/peitando-os-classicos-marco-rodrigo.html

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