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Tradução com um toque humano

Tecnologia dá um salto ao garantir intervenção do homem na versão eletrônica de textos em língua estrangeira

A era dos erros grosseiros de tradutores automáticos pode estar com os dias contados. Tudo porque as mais modernas ferramentas informáticas chegaram com uma grande novidade: o ser humano. Preocupado com as imperfeições constantes dos sistemas eletrônicos de tradução, o mercado começa a oferecer opções interativas para que o homem corrija as versões fornecidas pela máquina.

Bases de dados com versões em português de textos estrangeiros estão garantindo a automação semântica, isto é, a adaptação de trechos pelo sentido do raciocínio, expresso em um segmento de texto, e não o significado palavra por palavra, como quem consulta um dicionário. O Google Tradutor, por exemplo, desenvolveu uma ferramenta semântica que pesquisa, cruza informações e seleciona, no acervo de páginas de seu sistema de busca, as versões mais precisas para expressões, trechos e termos usados na conversão de um texto estrangeiro em um idioma de chegada.

Lançado em 2006 com apenas três línguas (inglês chinês e árabe), o tradutor do Google teve sua capacidade ampliada este ano para 52 idiomas, entre eles o português. O destaque da ferramenta, no entanto, é que as imperfeições no primeiro processo podem ser corrigidas pelo próprio internauta no segundo. O tradutor humano agiria como um supervisor do trabalho feito pelo autômato.

O tradutor Fabio M. Said, autor de Fidus Interpres: a Prática da Tradução Profissional (2010), acredita que a novidade do Google marca uma nova era para a automação semântica e os demais tipos de tecnologia ou método de tradução.

– A razão para acreditar nessa evolução da ferramenta é que a tradução automática está sendo aperfeiçoada com um input [entrada] humano. Quanto mais traduções humanas profissionais forem armazenadas em bases de dados para uso em versões automáticas, melhor será a qualidade da tradução automática semântica. E com o fascínio que esse tipo de tradução tem exercido nas pessoas, não falta gente interessada em contribuir com essas bases de dados – afirma.

Quando o Google Tradutor é integrado a uma ferramenta CAT [computer-aided translation, tradução assistida por computador], e um usuário submete textos e traduções ao mecanismo, esses textos e traduções são usados pelo próprio Google para sugerir soluções ao usuário.

“Insensível”

A intervenção humana, sobretudo a de tradutores, pode evitar que falhas significativas ocorram quando se deixa esses mecanismos trabalharem por conta própria, sem supervisão. Em março, o jornal The New York Times chegou a atribuir ao Vaticano a responsabilidade por acobertar casos de abuso sexual na diocese de Milwaukee, nos EUA. As acusações se endereçavam ao papa Bento XVI. Na ocasião em que os episódios ocorreram, ele era cardeal Josef Ratzinger, presidente da congregação católica incumbida de averiguar – e, segundo o jornal, abafar – o caso.

O veículo se baseou na tradução automática de minutas de uma reunião no Vaticano entre membros da congregação e uma comitiva de Milwaukee, e seu conteúdo teria sido mal interpretado pelo mecanismo tradutório usado pelo jornal, “insensível às sutilezas do direito canônico”, como alegam os padres que participaram do encontro.

Para os representantes da comitiva, a tradução grosseira teria servido só para auxiliar na compreensão do original, já que muitos não falavam italiano. Ainda que não seja obrigação de um tradutor não humano compreender a terminologia cristã, sua “neutralidade” religiosa sinaliza os limites da interpretação de textos complexos (principalmente, com di­mensão ética) por mecanismos automáticos.  

Por gênero

Erros do tipo podem estar relacionados ao próprio gênero de texto a ser traduzido, pondera David Bellos, professor da Universidade de Princeton e autor de um artigo sobre a história das máquinas tradutórias. Em entrevista à Língua, por e-mail, o norte-americano  avalia que deixar a cargo de um tradutor automático a versão de obras de cunho jurídico, moral ou literário seria antes uma “idiotice humana” do que uma falha do sistema.

– As pessoas também cometem erros, é claro. Mas elas, você pode processar. Nas mãos de um tradutor experiente, essas máquinas de tradução podem agilizar o trabalho, mas jamais devemos considerar sua versão como a final – afirma Bellos.

A internet e a informática tornaram mais fácil o desafio de superar um texto em outro idioma, e há casos em que a tradução automática se revela um signo de civilidade. Quando o Haiti foi devastado pelo terremoto de janeiro, equipes de busca chegaram à ilha falando várias línguas, menos o crioulo haitiano. Se tivessem de esperar a chegada de intérpretes, muito mais pessoas teriam morrido. A Carnegie Mellow University, de Pittsburgh, na Pensilvânia (EUA), então, liberou seu banco de dados sobre o idioma, e uma rede de programadores voluntários produziu em uma semana uma máquina de tradução rústica, porém pronta para o uso.

O mais comum, porém, é que a tecnologia estimule tropeços. Nas Olimpíadas de Pequim, em 2008, os letreiros de restaurantes tiveram de incluir dizeres bilíngues para atrair turistas. A maioria dos lugares, por economia, conectava projetores a seus computadores para exibir mensagens em paredes e fachadas. Num deles, o texto em caracteres chineses era acompanhado pela inscrição “Translate server error” [erro de tradução do servidor], comunicado protocolar quando há falhas no sistema.

A maioria das ressalvas, no entanto, são à própria eficácia da ferramenta. Em especial, ao método de conversão palavra por palavra, cujo ponto fraco é a aclimatação precária de frases e expressões idiomáticas. Nos primórdios, o mecanismo entenderia que to give, por exemplo, significa “dar”, mas ignoraria o fato de que to give up equivale a “desistir”. Uma frase como “come up with new ideas” (ter novas ideias) seria rusticamente entendida como “vindo acima com ideias novas”.

Ceticismo

Tony Berber Sardinha, professor de linguística da PUC-SP, atribui aos resultados insatisfatórios da tradução automática, desde a Guerra Fria, a razão pelo desaceleramento das pesquisas em linguística computacional, e pelo ceticismo com o poder dos computadores de lidar com a linguagem.

– Foi com os financiamentos americanos ao machine translation [máquina de tradução], na Guerra Fria, que surgiu a linguística computacional. Havia esperança de que os computadores pudessem traduzir bem. Porém, os resultados foram ruins e o financiamento acabou – explica Sardinha.

Com a expansão da internet, os mecanismos tradutórios ganharam popularidade, embora ainda inspirassem desconfiança em relação aos métodos. O Babelfish, do site de buscas Altavista, foi o pioneiro dos tradutores on-line, e em 1995 já contava com 16 milhões de usuários e 4 idiomas (inglês, espanhol, francês e alemão). Outros tradutores eletrônicos, como Bing Translator, da Microsoft, também foram superados por dispositivos como o atual Google Tradutor.

Em resposta à Língua, a equipe de Franz Josef Och, diretor do Google Tradutor, explicou que há várias maneiras de aumentar a qualidade do sistema usado pela companhia. Entre os recursos mais importantes está a capacidade de encontrar documentos traduzidos na web e incorporá-los ao seu banco de dados, tendo em vista a correlação direta entre a quantidade de dados e o resultado final da tradução.

– A principal fonte de documentos traduzidos é a internet. Mas, entre outras coisas, coletamos o feedback de usuários. Muitos dos idiomas que o mecanismo ainda não contempla apresentam pouquíssimos recursos na web, de modo que estamos trabalhando para fazer nossos algoritmos [cálculos matemáticos] trabalharem bem com uma quantidade reduzida de dados, ou que sejam capazes de apreender mais informação com a mesma quantidade de texto. Em especial, as línguas com uma morfologia muito rica, como o húngaro e o finlandês, ou pares de idiomas que possuam uma ordem de palavras muito diferente, como o japonês e o inglês, por exemplo – explicam Och e sua equipe.

Para que uma tradução tenha êxito, ela deve levar em conta fatores ligados à complexidade da trama textual, como o contexto, a identidade do autor, o gênero de texto, o tipo de registro, o perfil do leitor, o estilo do escritor, o tipo de versão desejada, entre outras variáveis. Um tradutor automático só terá sucesso se for capaz de lidar com o maior número de variáveis possível, no conjunto de idiomas que propõe traduzir. E, nessa equação, a única constante será sempre a inteligência humana.

Tradutores automáticos

Google Tradutor [www.translate.google.com.br]

Yahoo! Babel Fish [http://babelfish.yahoo.com/]

UOL Babylon [www1.uol.com.br/babylon/]

Bing Translator [www.microsofttranslator.com/]

Automática x humana

As peculiaridades da tradução de um texto jurídico do alemão para o português

Mesmo com o avanço do Google, a versão dada pela tradução automática está longe de substituir a humana. O tradutor Fábio M. Said dá como exemplo um trecho de um texto jurídico alemão, reproduzido a seguir. A comparação mostra diferenças significativas entre a versão eletrônica e a profissional.

Original

Vereitelt die beweisbelastete Partein ihre eigene Beweisführung, so bleibt sie beweisfällig und unterliegt. Verweigert die Partei eine zumutbare Mitwirkung zur Sachaufklärung oder vereitelt sie Möglichkeiten zur Erschütterung des Anscheinsbeweises, so verliert sie die ihr sonst einzuräumenden Beweiserleichterungen.

(ROSENBERG, Leo; SCHWAB, Karl Heinz; GOTTWALD, Peter. Zivilprozessrecht. 16., neunbearbeitete Auflage. Munique: Verlag C.H.Beck, 2004. p. 780-791.)

Google Tradutor:

Frustra o ónus da prova Partein raciocínio próprio, continua a ser beweisfällig e assunto. Negada a uma festa de oportunidades razoáveis co-descoberta ou frustrado eles abalo da prova prima facie, ele perde sua prova em contrário, a conceder a isenção.

Tradução humana

Se a parte onerada cercear a própria argumentação probatória, ela segue sendo onerada e subjugada. Caso a parte se negue a prestar colaboração razoável no esclarecimento da questão ou cerceie possibilidades de abalar a prova de primeira aparência, ela perderá as atenuações probatórias que normalmente lhe seriam concedidas.(Fabio M. Said)

Integração vence preconceito

Abertura a soluções humanas pode fazer tradutores assimilarem novas tecnologias

Por Fabio M. Said

Até pouco tempo atrás, minha conduta, como tradutor profissional, diante da tradução automática era de total incredulidade. Entretanto, com um contato mais frequente com soluções de tradução automática, me convenço cada vez mais de que essa é uma tecnologia que veio para ficar. Resta-nos saber lidar com seus benefícios, perigos e implicações.

Com condições e tipos de textos favoráveis, a tradução automática não só tem sido útil como tem melhorado. E tem melhorado porque os bancos de dados que servem de base para sugestão de traduções automáticas têm sido alimentados com material produzido por humanos. Por exemplo, quando o Google Translate inclui um link do tipo “Sugira uma tradução melhor” ou quando um tradutor usa um sistema de tradução automática integrado via internet em uma ferramenta de tradução assistida por computador, o tradutor automático “aprende” com esse input humano.

Porém, o mesmo input que tem melhorado a tradução automática tem o potencial de “contaminar” uma tradução automática com erros… humanos! Quando uma tradução humana errada é incluída em um banco de dados para tradução automática, esta perde em qualidade. O sucesso da automática depende da qualidade do material usado como base de sugestões automatizadas. A máquina, sozinha, não inventa boas traduções e seu padrão de qualidade é sempre uma tradução humana.

Entendimento

Outro aspecto importante é o sigilo. Nos sistemas de tradução automática que funcionam com base em um servidor remoto mantido por terceiros, quando um tradutor profissional usa um tradutor automático, ele precisa enviar o texto original ao servidor do tradutor automático. E se esse texto contiver informações sigilosas e tiver importância estratégica para o autor/cliente? Ao enviar o texto para o servidor do Google Translate o tradutor não estaria violando o sigilo profissional e expondo seu cliente?

Essas questões nada significam para o sujeito que usa um tradutor automático só para fins de informação rápida. Para esse sujeito, não importam coisas como qualidade e precisão terminológica. Ele quer só entender, em linhas gerais, a mensagem do texto. Até aqui, tudo bem.

O problema é quando a tradução automática provoca nos incautos a falsa impressão de que o sistema é tão bom que pode substituir o tradutor humano. Isso, a meu ver, é ficção científica. Pelo menos por enquanto. A possibilidade de uma obra literária complexa ser traduzida com qualidade por um tradutor automático é remotíssima. Mas não fiquemos só em exemplos literários: uma peça de publicidade dificilmente seria entregue a um tradutor automático, pois os publicitários sabem bem o grau de criatividade linguística e cultural necessário para obter-se o equilíbrio exato entre a linguagem usada e as especificidades do público-alvo.

Portanto, a tradução automática sem crivo humano é inútil e não substitui o trabalho de um profissional. Em vez de substituta, deve ser vista como uma ferramenta a mais. Nas mãos de ingênuos (com crença demasiada na tecnologia) e despreparados (sem capacidade para distinguir uma boa tradução de uma má tradução e sem preocupações com questões éticas), ela pode ser muito perigosa.

Fabio M. Said é tradutor, editor do blog “Fidus interpres” (www.fidusinterpres.com) e autor de Fidus Interpres: a Prática da Tradução Profissional (2010).

Fonte: http://revistalingua.uol.com.br/textos.asp?codigo=12047

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